"O que legitima a autoridade do estado? Os políticos fazem
leis, os juízes decretam sentenças e os polícias prendem pessoas; e todos nós
estamos obrigados a obedecer. Caso desobedeçamos, seremos forçados, contra a
nossa vontade, a ser julgados e presos. O que justifica que adultos autónomos
possam ser tratados desta maneira? Por que razão será legítimo que o estado e
as suas diferentes instituições (a polícia, os governantes, os juízes, os
militares) tenham poder sobre todos nós? E será mesmo legítimo?
Uma maneira de responder à pergunta inicial é dizer que o
estado se justifica por si, uma vez que não há vida social, nem verdadeira
liberdade, fora dele. Este é o tipo de resposta dado por Aristóteles, para quem
a vida social no seio do estado faz parte da própria natureza humana. Tal como
não faz sentido explicar por que razão consentimos em nos tornarmos seres
humanos, também não faz sentido explicar por que razão consentimos ser
governados pelo estado. A finalidade da vida política é, pois, realizarmo-nos
como seres humanos, tendo em vista uma vida boa. Assim, para Aristóteles, o
mais importante não é tanto procurar saber como se justifica o estado, mas que
tipo de estado e de governo é melhor para garantir uma vida boa.
Outra maneira de explicar a autoridade do estado é mostrar
que na ausência de estado, onde ninguém exerce o poder sobre ninguém – isto é,
no estado de natureza – a vida seria insuportável, na medida em que a guerra de
todos contra todos seria praticamente inevitável. Haveria assim uma boa razão
para aceitar a existência da autoridade do estado: esse seria o preço a pagar
pela protecção e segurança que só um governo pode garantir. Este é o caminho
seguido por John Locke, entre outros. Esta resposta é, em parte, uma
justificação negativa para a autoridade do estado: aceitamos a autoridade
porque não estamos interessados em viver no estado de natureza. É a necessidade
de protecção que leva cada pessoa a consentir a autoridade do estado,
estabelecendo como que um contrato social com os outros, em que todos aceitam
limitar a sua liberdade em troca da sua segurança e da segurança dos seus bens.
Chama-se contratualista a esta teoria.
Há, contudo, quem não concorde com a ideia de que o estado é
legítimo. Estes filósofos pensam que viver num estado não é melhor do que a
vida no estado de natureza, pelo que não há justificação para o uso do poder
político e, portanto, nada justifica a autoridade do estado. Esta é a posição
do anarquismo. Assim, para o
anarquismo, a pergunta inicial deveria ser outra: em vez de se perguntar o que
legitima a autoridade do estado, dever-se-ia perguntar antes se a autoridade do
estado é legítima. Pergunta esta a que o anarquismo responde negativamente".
Fonte: Textos e Problemas de Filosofia, org. de Aires Almeida e Desidério Murcho. Lisboa:
Plátano, 2006, p. 83.
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